Há mais de cinco anos eu atuo como doula e, durante todo este tempo, sempre defendi a escolha informada das mulheres sobre o tipo de parto que queriam, onde e de que forma desejavam parir seus bebês.
Estas palavras são para aquelas que já optaram pelo parto normal por ter a certeza de que é melhor e mais seguro para elas e seusfilhos. Então a pergunta é: onde parir? Em casa ou no hospital?
A decisão de parir em casa precisa ser uma escolha consciente e orientada. Tem que fazer sentido para a gestante – e para seu acompanhante também. Ambos têm que estar 100% seguros e conhecer os benefícios e os riscos do parto domiciliar. Vou falar sobre eles aqui. Mas queria trazer também uma sensação de inquietude que está muito forte em mim em relação à opção pelo parto hospitalar neste momento.
Pacientes com suspeita do novo corona vírus ou com diagnóstico confirmado de COVID-19 estão nos hospitais. Mesmo que você opte por uma maternidade que não seja hospital geral, hospitais são locais de larga circulação de pessoas. Recepcionistas, seguranças, manobristas, técnicas de enfermagem, enfermeiras, médicos obstetras, pediatras, anestesistas, doulas. Cozinheiras e copeiras. Pessoal de limpeza. É muita gente. E esses profissionais muitas vezes circulam em vários hospitais. Eles trabalham na área de saúde, então precisam estar ali. Mas você, gestante, precisa?
Acho importante colocar aqui que gestantes de alto risco e puérperas (mulheres no pós-parto) já estão oficialmente incluídas nos grupos de risco para COVID-19. Em relação às mulheres grávidas de forma geral, a médica obstetra, doutora e pesquisadora Melania Amorim vem alertando para preocupações de especialistas (como o American College of Obstetricians e Gynecologists) que gestantes com COVID-19 podem ser mais suscetíveis a complicações na gestação.
Eu não quero fazer apologia do parto em casa. Realmente acredito que a mulher tem que se sentir segura, senão não consegue parir. Ou consegue, e aí se acontecer alguma coisa com ela ou com o bebê, nunca vai se perdoar. Mas neste momento qual é o maior risco? É nisso que fico pensando e, acreditem, não tenho a resposta certa. Porque é uma escolha que ninguém poderá fazer por vocês.
No Brasil, 98% dos nascimentos acontecem em hospitais. Na Holanda, o sistema de saúde financia o parto domiciliar, e lá entre 20 e 25% das mulheres vão parir em casa. Temos uma cultura bem diferente, que gera medos diferentes também…
Quem pode parir em casa são as gestantes de baixo risco, ou risco habitual (aqui estamos falando tanto da saúde da mãe quanto do bebê). Não pode ter pressão alta, nem diabetes gestacional, nem outra doença que aumente o risco de hemorragia, etc. Não pode haver nenhum problema com o bebê que já se conheça no pré-natal, nem restrição de crescimento, nem prematuridade. Ah, feto único, na posição cefálica, entre 37 e 42 semanas de gestação.
A distância da casa da mulher para um hospital de referência, com maternidade e plantão 24h, tem que ser em torno de 20 minutos de carro, para uma eventual necessidade de transferência. A equipe técnica tem que ser treinada e com experiência. O modelo mais comum para parto domiciliar, na maioria dos lugares do mundo, inclui duas parteiras (enfermeiras obstetras ou obstetrizes). Isso porque o que o médico precisará ou poderá fazer em casa é o mesmo que a parteira faria – o médico só poderia fazer procedimentos diferentes no hospital, entre eles anestesia, parto instrumental, cesárea. E as parteiras levam todo o material necessário para os primeiros cuidados, como oxigênio, medicamentos para hemorragia pós-parto, reanimação neonatal, sutura do períneo se houver laceração etc.
Como é parir em casa? É aconchegante, gostoso… não tem o trajeto sacolejante nem a chegada fria ao hospital. Tem comida de casa, banheiro de casa, tem a nossa cama. Não tem entra e sai da equipe de enfermagem que você não conhece. Tem a sua equipe que chega para dar assistência – geralmente a doula e as duas parteiras, às vezes uma fotógrafa – e que depois dá um jeito na casa para deixar tudo limpo e minimamente arrumado. Além disso tudo, tem os estudos comprovando a segurança do parto domiciliar planejado para gestantes de baixo risco.
Os riscos? Vou falar de duas revisões sistemáticas que foram abordadas pela enfermeira obstetra e doutora em ciências médicas Maíra Libertad em uma palestra recente.
Quinze estudos com mais de 200 mil mulheres em partos domiciliares concluíram que entre 10 e 30%, dependendo do estudo, precisavam ou desejavam a transferência (para tomar anestesia, por exemplo). A maior razão das transferências foi trabalho de parto longo ou progressão lenta. Note-se aqui que não eram emergências, mas transferiu-se para intervenções ou analgesia.
A taxa de transferência de emergência variou entre 0 e 5%, dependendo o estudo, ficando na maioria entre 2 e 3%. Emergências de que tipo? Entre 1 e 3%, algum problema com o bebê dentro da barriga (batimentos fetais não tranquilizadores). Entre 0,5 e 1,5%, algum problema com o bebê após o nascimento (dificuldade respiratória). Com a mãe, houve hemorragia pós-parto em 0,5% dos casos.
Descobriu-se ainda que mulheres com um ou mais partos normais anteriores tinham taxa de transferência entre 6 e 12% (menor que a taxa geral de 10 a 30%), ou seja, com menos chance de transferência e de emergência.
Em outra revisão sobre complicações com 14 mil partos domiciliares e 30 mil hospitalares, oito estudos compararam parto domiciliar versus hospitalar em vários países, ambos analisando gestantes de baixo risco. Eles mostraram que a chance de ter um parto espontâneo e natural (sem indução e intervenção) é duas vezes maior para quem planejou parir em casa e a chance de ir para cesárea é duas vezes menor. Parir em casa também diminui a chance de hemorragia pós-parto, parto prolongado ou intercorrências, e intervenções (episiotomia, ocitocina e analgesia).
Os estudos concluíram que o parto domiciliar não traz mais risco de complicação grave ou morte para a mãe. Para o bebê, não tem diferença na nota de APGAR; a cada 1.000, seis bebês terão nota baixa de APGAR; independentemente se nasceram em casa ou no hospital, eles vão precisar de reanimação neonatal ou intervenções maiores. A cada 1.000 bebês, de um a dois não vão sobreviver fora do útero, mesmo em mães de baixo risco e bebês saudáveis na gestação. A conclusão é que o hospital não salva mais mães e bebês, nem parir em casa os coloca mais em risco.
Com tudo isso – os dados sobre o novo corona vírus, o fato de puérperas estarem no grupo de risco para a doença (quer dizer, quanto mais isolamento para a mulher prestes a parir ou parindo, melhor, pois ela será puérpera em breve), os dados sobre a segurança do parto em casa – eu fico pensando que, se fosse comigo e eu fosse elegível, certamente evitaria ao máximo ir ao hospital neste momento. Bem, estou indo ao hospital como doula e é verdade que me questiono diariamente se é a coisa certa a fazer. Por enquanto, no meu coração, sinto que preciso ajudar e apoiar as mulheres em trabalho de parto, mais ainda numa hora em que o emocional está muito abalado por tudo o que está acontecendo no nosso país e no mundo.